domingo, 25 de outubro de 2020

Islands in the stream

Sempre fui muito introspectivo. Quando era miúdo entretinha-me a fazer coisas que para os outros eram aborrecidas mas que me faziam viajar na imaginação por horas a fio... 

Uma das minhas actividades favoritas era, quando ia com o meu padrinho ao terreno regar a sua horta, o de abrir cursos de água na areia. Adorava ver como a água abria caminho pelo regadio e delineava um percurso constante ou diferentes caminhos todos derivados do mesmo caudal. 

Por minha vez, eu entretinha-me a tentar desviar a água desse curso abrindo novos canais com os meus dedos. Via como a água abria um novo caminho e os pequenos torrões de terra se desfaziam na água formando pequenas ilhas nesse percurso. Ilhas essas que também se desfaziam à medida que a água passava por elas até que aos poucos a água se apoderava de mais esse pedaço de terra alargando o seu curso sem que nada se pudesse fazer para o evitar. 

Mal sabia eu, na inocência da minha infância, o tremendo simbolismo desta minha brincadeira. Em nada é diferente de um processo de aceitação na vida adulta - por algo que não conseguimos mudar. 

Recentemente soube de notícias muito graves na minha família e, tal criança a querer controlar o curso de água num pedaço de terra com os dedos, tentei interferir. Tentando ajudar, descobri mais do que queria. Vim a saber de padrões antigos que nunca foram mudados, antes foram encobertos com mentira e jogos de manipulação para perpetuar uma aparência que na realidade nunca existiu. Os problemas de há 20 anos mantiveram-se debaixo de uma "paz podre" que, taLcomo os pequenos ilhéus no curso de água, se erodiu ao ponto de colapsar. 

Assim é a mudança: primeiro negamos, depois negociamos, depois enraivecemos, depois deprimimos e por fim aceitamos. é um processo moroso e doloroso. Neste meu processo de aceitação fui buscar recordações da minha adolescência - com as quais pensei ter feito as pazes mas que na realidade não o tinha feito - misturei o presente com o passado qual água lamacenta, mexi e remexi na tentativa de controlar e acabei por ter de aceitar, deixando a terra assentar e vendo as coisas com mais clareza: mais até que anteriormente. 

Neste processo estou a aprender a equilibrar os meus valores morais com as características dos outros e perceber que há muito pouco que eu possa fazer para alterar o percurso deles. Eles irão percorrer o caminho que trilham com as suas escolhas e eu nada posso mais que olhar, como em criança olhava a água a trilhar caminho pela terra da horta. Umas vezes mais nítido e outras mais lamacento, esse caminho é o deles e eu enquanto espectador, aguardo e nada me resta mais que assistir da minha posição inocente, como o tenho feito há mais de 30 anos.